domingo, 19 de abril de 2015

Vida autista

MINHA VIDA

Meu nome é Grace Caroline, nasci em 1971,em Curitibanos , no planalto serrano do estado de Santa Catarina, cidade pequena e obviamente muito provinciana.
Em 1976 eu já tinha dois irmãozinhos, uma menina e um menino, atualmente somos uma família com muitos irmãos, é um número bem grande de histórias de vida pra contar.
Mas foi na minha infância que se percebiam os comportamentos mais estranhos.
Eu era uma criança que não se comportava da maneira esperada.
Adorava ficar sozinha.
Não gostava de brincar com meus irmãos por mais divertidos que eles fossem.
Adorava ficar na casa da minha avó materna, pois era enorme e lá eu sempre achava um jeito de me isolar.
Era considerada a criança mais preguiçosa do planeta.
Ah! também era a criança mais antipática da família.
A mais "birrenta" e "chiliquenta".
Tinha um comportamento considerado adulto.
Odiava qualquer confraternização familiar, até minhas festas de aniversário era motivo de muito sofrimento.
E para piorar tudo eu verbalizava tudo o que pensava quase sempre constrangendo e ofendendo as pessoas.
Considerada uma criança muito “desenvolvida” para a idade, pelo discurso muito precoce.
Lembro-me da minha mãe contando que a professora da primeira série a chamou para contar que eu colocava as mãos nos ouvidos por causa da conversa dos colegas, e que eu não me relacionava então uma coleguinha se aproximou e foi à única amiga que eu tive durante a primeira infância.
Eu também tinha o sono alterado, sofria para dormir.
Sempre dizia para minha mãe que não era deste mundo, que não queria ser assim, que ouvia os sons como se eles fossem mais altos para mim, uma vez eu cheguei a comentar que quando a água do chuveiro caía na minha cabeça o barulho parecia uma multidão de pessoas falando ao mesmo tempo.
Na pré- adolescência me enchi de amigos, contava segredos pra todo mundo, dava minha opinião sobre tudo, eu achava que todas as pessoas eram minhas amigas, não via defeito nem maldade em ninguém, um comportamento muito infantil, mas eu entendia que isso era “ser boa”, que acreditar nas pessoas era uma virtude.
Eu me lembro de sempre ser obcecada por um dos amigos, eu ficava fascinada e não desgrudava da pessoa até ser rejeitada explicitamente, e sofria muito com isso.
O tempo foi passando e chegou a adolescência, aí aquele "amadurecimento precoce" foi embora e o processo se inverteu, fiquei "infantilizada" quando deveria estar amadurecendo.
A adolescência foi o período onde eu passei a não saber quem eu era, a ser excluída dos grupos onde tentava fazer parte, o meu comportamento sexual e afetivo, era quase sempre inadequado para os padrões.
Por volta dos meus 14 anos eu fui vítima de todo tipo de abuso, enfim o caos foi uma realidade por muito tempo.
Vieram os relacionamentos amorosos, todos muito sofridos.
Aos 18 anos passei no vestibular, aos 21 me formei.
Aos 24 anos tive meu primeiro filho, solteira, consegui ficar com ele por três anos e meio, mas a dificuldade era enorme em todos os sentidos, sofria de depressão, ansiedade, processo confundido com bipolaridade , eu só pensava em morrer, então não consegui e fui embora da cidade deixando meu precioso filho com minha família.
Não era a primeira vez que eu ia embora a busca de ajuda.
Nesta última partida quando deixei meu filho, demorei 6 anos para retornar e foram os seis anos mais complicados, mas foi o começo do fim. Meu filho sempre foi o meu rumo certo, a minha certeza, o meu destino, o meu motivo para continuar tentando sobreviver neste planeta que até hoje não entendo.
Nessas andanças todas reencontrei origens e refiz contato com meu próprio espírito, que andava recluso e destruído por tanto sofrimento.
Voltei aos 34, casada e grávida da minha filha caçula, que é o anjo enviado para me tirar desta ignorância toda, desta falta de chão que sempre foi a minha vida!
Sobre como e quando foi que recebi o diagnóstico de autismo da minha filha e o que mudou para mim, o que eu posso dizer é:
Foi no ano de 2009, com 37 anos.
Minha mãe não achava necessário que eu levasse minha filha ao médico, dizia que o problema da minha filha era ser igual a mim e eu mesma achava que a "sina" da minha filha era padecer como eu.
Quando veio o diagnóstico da minha filha de "autismo" e a única diferença dela para mim é que eu sou verbal, então veio o esclarecimento, eu também estou no espectro autista. Como eu descobri que estou no espectro? Pesquisando sobre o assunto para ajudar minha filha e respondendo “SIM” a estas perguntas de um teste psicológico desenvolvido para avaliar adultos:
1-Muitas vezes você se sente fora de sincronia com os outros?
2-O seu senso de humor é diferente da maioria ou é considerado estranho?
3-Você se esqueçe que você está em uma situação social quando alguma coisa lhe chama a atenção?
4-Você tem dificuldades em organizar o seu trabalho e/ou sua vida?
5-Você prefere usar a mesma roupa e/ou comer a mesma comida todos os dias?
6-Você se incomoda quando as pessoas visitam você sem convite?
7-Já fez alguma coisa apenas para descobrir depois que esta coisa não era desejada?
8-Você prefere fazer as coisas sozinho, mesmo que você disponha da ajuda ou experiência de outros?
9-Você é tão honesto e sincero que você assume todo mundo também é?
10-Você não tem uma boa distinção daquilo que é a coisa certa a fazer socialmente?
11-Você não aceita graciosamente críticas, correções e ordens?
12-Em conversas, você tem problemas com coisas como sincronia e da reciprocidade?
13-Você tende a ser impaciente e/ou impulsivo?
14-Você tende a interpretar as coisas literalmente e/ou responder a perguntas retóricas?
15-Você tem uma visão alternativa do que é atraente no sexo oposto?
16-Se houver uma interrupção, você não pode rapidamente voltar ao que estava fazendo antes?
17-Você tem problemas com o início e/ou a finalização de projetos?
18-Já lhe disseram que você tem uma postura ou modo de andar estranho?
19-Você acha difícil captar as intenções das pessoas?
20-É mais difícil para você manter amigos do que para outras pessoas?
21-Você já teve a sensação de jogar um jogo, fingindo ser como as pessoas à sua volta?
22-Você já foi intimidado, abusaram ou já tiraram proveito de você?
23-Você acha difícil descobrir como se comportar em diferentes situações?
24-Você espera que as outras pessoas conheçam seus pensamentos, experiências e opiniões, sem que você os tenha dito a elas?
25-Você tem tendência a dizer coisas que são consideradas socialmente inadequadas?
26-Você não é bom retornando cortesias sociais e gestos?
27-Você tem interesses imaturos?
28-Muitas vezes as pessoas entendem mal o que você queria dizer?
29-Você fica muito cansado após socializar, e depois necessita se regenerar ficando sozinho?
30-Você geralmente desconhece os limites e regras sociais a menos que lhe sejam claramente enunciados?
31-Você tende se a procrastinar?
32-Antes de fazer alguma coisa ou ir em algum lugar, você precisa ter em mente um planejamento ou cronograma (do que deve ser feito) de forma a que você possa se preparar mentalmente primeiro?
33-Você não gosta ou tem dificuldade em esportes de grupo (por exemplo, futebol) ou outras atividades de grupo?
34-Você tem algumas rotinas ou manias que você precisa seguir?
35-Você tem tendência a expressar seus sentimentos de formas que podem deixar os outros perplexos?
36-Você tende a 'travar' ou ter uma crise nervosa quando estressado ou sobrecarregado?
O que mudou para mim?
Foi que eu saí de uma condição de ignorância profunda de "mim mesma", foi um alívio, um sentimento de ter recebido uma "carta de alforria", foi ter a oportunidade de ficar livre de qualquer jugo ou domínio, oportunidade de ganhar minha independência.
Com este processo chegou o diagnóstico de Síndrome de Asperger para meu filho, outra libertação.
O conhecimento da minha condição de autista, não é uma oportunidade de justificar meus "ERROS", mas sim a oportunidade de tentar ser aceita do jeito que eu sou, mas não está sendo fácil, porque eu me sinto constrangida, acuada, e ainda não sei lidar comigo mesma, pois até hoje eu fui uma pessoa submissa, dependente, escrava da opinião alheia por não me conhecer, não entender minhas próprias atitudes. Não tenho independência financeira.
Não sei se vou conseguir ser respeitada algum dia como eu gostaria de ser, mas pelo menos para mim, meu marido e meus filhos foi um alívio!!
E aos 38 anos, criei este blog: http://descobrirseautista.blogspot.com/ para tentar organizar minha cabeça, sair desta confusão mental intensa que me faz ficar prostrada diante da vida sempre pedindo para que tudo acabe logo!
Blog da minha filha: http://universodameninaautista.blogspot.com.br/
Grace Caroline Granemann Rosa. (Atualmente com 42 anos)

Bióloga com Asperger expõe seus sentimentos e explica como a síndrome afeta sua vida
8
AGO

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A Síndrome de Asperger pode passar despercebida por muitas pessoas que convivem com seu portador. É possível até que a própria pessoa com Asperger tenha dúvidas ou receio de um diagnóstico definitivo. “A maioria das pessoas que me conhece apenas me considera um pouco diferente”, afirma a bióloga responsável pelo blog “A síndrome de Asperger, a ciência e eu” (tradução livre do original em espanhol). “Minha vida não é diferente da maioria das pessoas”, afirma ainda a autora. “O que mudam são as habilidades e dificuldades, além da ajuda e tratamentos aos quais preciso recorrer para me transformar na pessoa que quero ser”.
Casada, mãe, com graduação e pós-graduação, a autora não se identifica totalmente e admite que poucas vezes comenta com as pessoas a quem conhece que é portadora da Síndrome de Asperger. “Foi muito importante para mim, entretanto, encontrar uma explicação para minha forma de ser”, afirma ela em relação ao diagnóstico.
Falando sobre seu modo de encarar o Asperger, a bióloga diz que não vê problemas em ser diferente, o que não significa que ela não tenha que fazer um esforço, às vezes muito grande, para aprender a viver em sociedade. “Provavelmente a ansiedade é o estado de espírito que mais me acompanhou em todos estes anos”. A solidão, o cansaço, o sentimento de não pertencer a lugar nenhum e a confusão também são frequentes, diz ela. “Tive alguns momentos de muita tristeza”.
Mesmo sentindo-se protegida em sua própria solidão, aos poucos ela entendeu que todos, iguais ou diferentes, pertencemos a um mesmo mundo, e portanto vale a pena fazer um esforço pela convivência, com otimismo. “Tenho uma linda família, harmoniosa, na qual o sentimento mais frequente é o amor”, resume ela. “Desfruto cada dia com eles, e ainda que nosso dia-a-dia seja muito diferente do de outras famílias, somos muito felizes”.
A síndrome de Asperger é considerada ainda uma grande vantagem pela bióloga, que trabalha como pesquisadora. “Tenho uma carreira que me fascina, e reconheço que no âmbito científico ter Síndrome de Asperger é uma grande vantagem”.
A internet também é considerada importante pela bióloga. “A maioria de minhas relações se iniciou por meio da internet, e muitas vezes, ainda que com esforço, ultrapassaram o campo virtual”.
Texto escrito por Silvana Schultze, do blog meunomenai.com
Baseado no texto “Pensando em voz alta”. Para ler o texto completo (em espanhol), clique no link: http://aspergeryciencia.com/mi-familia/
Abraço fraterno!
Até a proxima,
Grace Caroline.